Feliz dia do livro! | Recomendação de livros nacionais

No dia 29 de outubro comemoramos o dia nacional do livro, e eu resolvi trazer uma lista de livros e autores brasileiros que eu gosto e recom...

No dia 29 de outubro comemoramos o dia nacional do livro, e eu resolvi trazer uma lista de livros e autores brasileiros que eu gosto e recomendo. Sendo muito sincera, minha relação com a literatura nacional de forma consciente aconteceu a poucos anos atrás. Eu me deparei com os clássicos na escola, li Machado de Assis aos 11 anos e sabia que não estava pronta para entender aquela leitura, isso aconteceu novamente aos 15 com Clarice Lispector. Enquanto não me sentia madura para ler os clássicos nacionais, fui traçando meu gosto literário com pouquíssimos autores nacionais, e sem perceber minhas referências de literatura e imaginação estavam mais parecidas com referenciais estrangeiros do que com a minha própria realidade. Desde nomes e sobrenomes, até lugares e narrativas que nunca retratavam algo familiar. Era sempre o vampiro europeu, o cavalheiro medieval, o rei e a princesa de um feudo que nunca reconheci na minha realidade, era a história dos outros, e eu uma mera expectadora que foi esquecendo que poderia ler coisas que gerariam uma identificação direta, a partir de coisas que vivi, ou indiretas numa lógica de memória coletiva que veio até mim por terceiros.

Durante a pandemia eu comecei a questionar o que eu estava lendo, apesar de buscar constantemente por autores nacionais desde que comecei a falar sobre livros na internet, minha curiosidade ainda não havia recaído nessa reflexão sobre como a autoria dos livros moldam as histórias, e consequentemente passam a me moldar a partir da leitura. Desde então, passei a olhar de forma crítica para as minhas leituras e o que elas estavam trazendo, quais histórias e seus pontos de vista, quais dramas estavam sendo retratados, como personagens são construídos, quais lugares e costumes aparecem na história. Esse olhar mais atento mudou minha relação com a leitura e eu percebi que posso ter uma dinâmica muito mais interessante com os livros a partir desses questionamentos. Percebi que algumas histórias estavam perdendo a graça e o fator "singular" por estar lendo histórias que tinham em comum algo intrínseco ao autor e suas referências de mundo. Eu recomendo muito dar uma olhada no projeto Volta ao mundo DUJ feito pela Giovana no blog  Dei um jeito , onde ela conhece vários países através da literatura, música e cinema. Esse projeto me lembrou muito esse momento de epifania que me fez perceber como minha relação com a literatura estava tão limitada aos livros de origem norte-americana e majoritariamente de autoria masculina.

Eu consigo citar três grandes coisas que vieram nessa tomada de consciência: passei a buscar por livros que tragam histórias e culturas de outros países fora do eixo norte-americano, percebi que o ponto de vista da autoria muda muita coisa em uma história e por fim, vi que é possível me reconhecer em histórias através da literatura nacional contemporânea. A riqueza cultural e histórica reflete em construções narrativas que vão tirar o leitor de uma zona de conforto, onde já sabemos a probabilidade do que virá a seguir. Quando não conhecemos certos códigos, formas de pensar e agir tomam um lugar de estranhamento e a singularidade retorna aos livros. Não é só conhecer um novo sistema mágico de uma fantasia, mas conhecer nas entrelinhas práticas diferentes, passados diferentes e construções de histórias que refletem processos sociais, culturais, políticos e religiosos de quem escreveu essa história. 

Perceber como o autor e sua realidade é colocada no que escreve, adiciona também a questão do gênero da autoria e como suas vivências pessoais moldam a percepção de mundo, alterando consequentemente o mundo que cria através da escrita. Podemos ler um terror escrito pelo Stephen King, como Mr. Mercedes, onde ele trabalhará o ponto de vista de um personagem masculino a partir de suas vivências enquanto um homem cis, ou podemos ler um terror como o livro Cupim, escrito por Layla Martínez que aborda uma personagem feminina, que passa por problemas que tem como ponto central as vivências de femininas, em um terror que entrelaça o fato de ser uma mulher cis e uma violência que atravessa gerações. São dois livros de terror, com propostas diferentes enquanto gênero literário, mas carregando em si características de quem escreveu. Acho legal lembrar que a um tempo atrás eu publiquei umas  reflexões sobre o termo romantasia  e mencionei essa questão do gênero da autoria dos livros ser um demarcador do que é fantasia e o que é romantasia.

Para comemorar o dia nacional do livro, nada melhor do que recomendação de histórias escritas por pessoas que compartilham dessa identidade brasileira, construindo mundos que conversam com o leitor de forma mais íntima, conectando esse universo imaginado com uma realidade nacional.


Riacho do jerimum:
Caíque é um jovem que mora no povoado Riacho do jerimum, localizado no sertão da Paraíba, e entre conversas com seu amigo, o senhor Vincente, descobre lendas antigas sobre o povoado e a guerra entre Amanaci, a deusa da chuva, e Tifana, a deusa da seca. O que Caíque vai descobrir é que as lendas não são apenas lendas, e a guerra é tão verdadeira quando os pequenos seres encantados que vivem nas matas do povoado. Esse livro é um lembrete muito gostoso do nosso folclore e do poder da história oral como meio de compartilhar memórias e cultura.

Quintal fantástico: Esse livro traz uma releitura de contos do folclore para cada região do Brasil, e eu já fiz resenha dessa leitura e você pode conferir  clicando aqui . Os dois livros são da Jadna Alana, uma autora paraibana que tem como foco o regionalismo fantástico nas suas histórias.


Quarto de despejo:
Eu ainda não li esse livro, tenho muita vontade, mas sinto que vai ser uma leitura muito sensível e venho adiando esperando pelo dia que essa história não me marque tanto. Mas é muita tolice da minha parte achar que vou passar por esse livro ilesa, e no fim das contas eu tenho que encarar esse registro e deixar que ele me lembre da importância de ler o que é difícil de digerir, não num sentido de dificuldade na compreensão da escrita, mas digerir uma realidade brutal que não faz parte das minhas vivências, mas constitue um recorte social ao qual estou inserida. Para quem não conhece esse livro, é o diário da Carolina Maria de Jesus com relatos do seu dia a dia enquanto catadora de lixo e moradora de uma favela em São Paulo entre os anos de 1955 até 1960.

Torto arado: Uma das leituras favoritas dos últimos anos e já pedindo uma releitura. Nesse livro conhecemos as irmãs Bibiana e Belonísia que na infância tem suas vidas marcadas por um acidente, as duas tão unidas acabam crescendo de formas diferentes e com pontos de vistas que narram questões diferentes sobre o mesmo lugar. Tem uma resenha jurássica desse livro aqui no blog e você pode conferir  clicando aqui. Eu mesma fui dar uma olhada nessa resenha e fiquei impressionada com as mudanças de formado das publicações no blog.


A terra dá, a terra quer: Para quem se apaixonou pela escrita do Ailton Krenak, você  deve conferir esse livro com a certeza de que vai amar. Para aqueles que ainda não tiveram contato com o Krenak, além de recomendar literalmente qualquer um dos livros dele (O amanhã não está a venda e Ideias para adiar o fim do mundo são dois favoritos meus), recomendo também o livro do Nêgo Bispo que propõe um olhar para as nossas relações com os lugares e o meio ambiente de forma mais integrada, passando por seus conhecimentos ancestrais envolvendo o contexto quilombola.

Memória e sociedade: Essa é uma leitura que está em andamento e estou encantada em muitos sentidos com esse livro. É um livro de não ficção, que traz a tese de doutorado da autora sobre a memória de operários da grande São Paulo e as relações que se construíram entre o lembrar e esquecer das vivências dentro e fora do espaço de trabalho. A escrita da autora é uma das coisas mais lindas que eu já vi no mundo acadêmico, a forma de conduzir a pesquisa é de uma sensibilidade que eu definitivamente vou usar como inspiração ao longo da minha jornada acadêmica.

Esses dois livros me lembraram que eu tenho muita vontade de falar sobre leituras de não ficção e como elas também podem ser interessantes e divertidas. Vem aí uma publicação falando mais sobre isso a qualquer momento.


Sina: Ainda não li esse, mas sei que o personagem principal, José Trancoso, é um viajante que desamparado no meio de uma estrada assombrada, é levado aos mistérios de um povoado com personagens intrigantes que contam a história do local. Eu tô curiosa para ler esse livro, a edição está muito linda e já tive contato com outras obras do autor e sei que ele tem um trabalho incrível.

Maldito sertão e Agouro: São dois livros de contos que trabalham as lendas do sertão brasileiro, com foco no Rio grande do Norte, pois é o estado de origem do autor. Inclusive, os três livros são do mesmo autor, Márcio Benjamin. O meu favorito é Fome, que não está na foto, mas recomendo para quem gosta de zumbi, o livro traz essa questão do apocalipse num povoado no sertão da Paraíba e agora no segundo semestre de 2025 vai sair a continuação.


A vida e as mortes de Severino olho de dendê: Eu sigo panfletando esse livro para todo mundo, já saiu resenha aqui no blog e você pode conferir  clicando aqui. É uma recomendação maravilhosa para quem gosta de ficção científica e aventuras intergalácticas. Fiquei encantada com a escrita do Ian Fraser e a genialidade por trás dessa história.

Cartografia para caminhos incertos: O lançamento mais recente do autor, ganhei de presente e estou ansiosamente aguardando as férias para embarcar nessa leitura. Conhecendo a sensibilidade na construção da história do Severino olho de dendê, estou com expectativas altas para essa história, onde o personagem vive em uma cidade que sempre muda de lugar e ele acaba se perdendo e passando por uma jornada para reencontrar a cidade. O livro bebe desse realismo mágico, e eu tenho ficado muito curiosa para ler mais coisas desse gênero.

Finalizamos a publicação com indicações e uma reflexão sobre as relações possíveis com as leituras após um mês sem atualizar o blog, eu acho que foi uma boa forma de me redimir por causa da ausência e voltar a ativa. Confesso que estava sem criatividade e lendo tão pouco que não estava conseguindo ter um material legal para transformar em uma publicação. Aos poucos tenho tentado retomar uma rotina que vá além das minhas necessidades básicas e as obrigações (isso é fofoca para o resumão de outubro). Espero que tenha gostado do comeback dessa blogueira relapsa, espero também que tenha refletido um pouco sobre a sua relação com os livros e como sempre, deixo o espaço dos comentários para um debate muito respeitoso para compartilharmos opiniões e recomendações.

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